Duarte Mendonça e o Jazz

Duarte Mendonça é, como se diz agora, um personagem “incontornável” do jazz português. Alguns acham-no intolerante, retrógrado, incapaz de se adaptar aos encantos e às maravilhas do jazz moderno. Outros (como eu) admiram a sua obstinação, a coerência e a capacidade de resistir à tentação dos “bezerros de ouro” que por aí pululam (e a que não é totalmente indiferente), para se manter fiel a divulgar a música de que gosta e que ele acha (como eu) ter sido um dos grandes milagres do século XX.
O gosto musical tem um forte componente geracional e sabemos isso: tango, bolero, passo doble, beatlomania, U2, tony-carreiras, violettas. Ainda bem que é assim e esperamos que a todos faça bom proveito.
O grande problema da geração do Duarte (que é também a minha) foi ter tido a sorte (ou o azar) de testemunhar o nascimento de uma música única e excepcional, que agora poucos conhecem bem, e que foi o resultado de alguns acontecimentos invulgares: o encontro da tradição musical africana com a música ocidental; a imigração para os EUA dos grandes músicos e teóricos da música europeia; o aparecimento do disco, do cinema e da Broadway e as hordas de talentosos compositores ligeiros (Jerome Kern, Greshwin, Cole Porter, etc., etc.) que nasciam como cogumelos no mundo do espectáculo que estava a surgir e a crescer. A coroar tudo isto, sucessivas vagas de génios musicais que se serviram deste material para criar uma música forte, original e consistente, que é “o-jazz-de-que-nós-gostamos”. Querem nomes? Amstrong, Ellington, Lester, Parker, Ella, Peterson, Getz, Miles, Evans, Uff! Uff! Uma lista para dar várias vezes a volta ao planeta.
Foram décadas de preciosidades, de verdadeiras pérolas, muitas delas ainda por descobrir. Por isso, quando há algum tempo voltámos ao sótão do Duarte para vasculhar milhares de vinis que estavam por lá arrumados e esquecidos, tivemos a sensação de reencontrar um paraíso perdido. Que melodias, que arranjos, que vozes, que orquestrações, que profissionalismo! A qualidade é tal que quando regressámos à realidade e voltámos a ouvir alguma da música que agora inunda as rádios e as televisões, até nos deu vontade de chorar.
É por tudo isto que a acção do Duarte, ao longo de mais de 40 anos, dedicada a conservar e a divulgar, contra tudo e contra todos, a música de que gosta, merece a nossa admiração e o nosso reconhecimento. Continua, Duarte. Em nome não só de um património que deve ser preservado, como também do bom gosto e da cultura!

Lisboa, 9 de Abril de 20015

António José de Barros Veloso