Kenny Barron & Dave Holland

Optando este ano, em dois dos seus quatro concertos, pela invulgar formação do duo, a direcção artística do Estoril Jazz está segura de que os seus espectadores mais fiéis admirarão a invulgar criatividade dos músicos que os formam, todos eles de primeiríssimo plano na cena contemporânea do jazz internacional e claramente propensos a esta forma mais aberta de criação musical.

E a aposta firme de um festival que acima de tudo respeita e não frustra os hábitos auditivos e os modos de fruição dos seus mais habituais frequentadores, são mais uma vez aprova de que se não pretende aqui apenas preencher calendário mas, pelo contrário, transformar as dificuldades que levaram conjunturalmente à diminuição do número de concertos num desafio suplementar para uma especial chamada à elevada qualidade musical.

Na realidade, a formação de duo com piano é uma das mais exigentes e estimulantes situações para a criação do jazz:  pela inexistência de uma marcação rítmica constante que, em geral, constitui uma base essencial de sustentação e de impulsão para os vôos imaginativos dos vários solistas, mas não raro os transporta à desadequada posição de “vedetas” sobre as quais incidem os holofotes dos palcos e as atenções das plateias.

De certo modo libertos desse tão fundamental quanto “condicionante” elemento de pulsão regular e explícita do tempo, é precisamente o mistério da sua percepção sobretudo implícita, a livre flutuação do rubato tantas vezes propiciador de desenvolvimentos e arrebatamentos improvisativos e,sobretudo, a mútua relação composicional instantânea entre dois “solitários”músicos, que tantas vezes desperta grandes momentos de criação musical,envolvimento instrumental, intercâmbio de personalidades.

E, desde logo, o profundo e intemporal lastro cultural jazzístico e a multiplicidade quase infinita de trajectórias musicais que Kenny Barron e Dave Holland, enquanto solistas de excepção, consigo transportam e já por si foram vividas em inigualáveis carreiras que se medem por décadas  (e que se tornaram, por definição, insusceptíveis de friamente alinhar numa mera enunciação de dados biográficos), constituem a garantia de uma noite certamente histórica no já amplo historial do Estoril Jazz.